Artigo. A Dispensa em massa e o direito coletivo do trabalho

A partir dos anos de 2008 e 2009, em razão da crise que tomou conta do país naquela época, um tema ganhou grande projeção nas páginas do Direito do Trabalho no Brasil, passando a ser objeto de frequentes estudos acadêmicos e doutrinários, e também de acirrados debates jurisprudenciais: a dispensa coletiva de trabalhadores.

E desde então, essa temática nunca mais saiu da cena jurídica trabalhista, sendo reiteradamente retratada em ações judiciais com pretensões voltadas à exigência de prévia negociação com o sindicato, cujo principal intuito seria, se não afastar, pelo menos mitigar os deletérios efeitos da demissão em massa, mediante ajuste sindical.

Do ponto de vista legal, o fenômeno não era regulado explicitamente na legislação pátria até a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, intitulada Reforma Trabalhista, na qual o legislador brasileiro optou por equiparar as dispensas individuais, plúrimas e coletivas, dando-lhes o mesmo tratamento, nos exatos  termos da redação dada ao novo artigo 477-A da CLT: “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”

Sendo assim, por lei, o desligamento em massa de trabalhadores decorre do poder potestativo do empregador. Trata-se de ato unilateral, que deriva do poder de direção e que independe de autorização ou negociação prévia com a entidade sindical, afinal de contas, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, de acordo com o princípio da legalidade consagrado no artigo 5º, II da CR/88, sendo a redação do artigo 477A da CLT de clareza ímpar.

Acontece que, não obstante a disciplina legal conferida ao instituto, a dispensa coletiva – diferentemente da dispensa individual, dada a sua essência, é figura típica do direito coletivo do trabalho e deveria nele encontrar suas respostas e soluções.

Neste momento, antes de prosseguir, faz-se necessário um pequeno recorte para apresentar os conceitos e distinções dos tipos de dispensas aqui examinados, de acordo com o escólio do juiz Marcelo Palma de Brito:

“A dispensa individual refere-se a ato isolado no âmbito da empresa, sendo que o empregado pode ser desligado com ou sem justa causa pela prática de alguma falta, por não render conforme o esperado ou por simples desinteresse do empregador na manutenção do vínculo empregatício. Normalmente, a vaga do trabalhador dispensada é suprida por nova contratação. A dispensa plúrima é a ocorrência de duas ou mais dispensas individuais simultâneas promovidas pelo empregador, mas que não guardam necessariamente relação de causa, ou seja, o mesmo motivo. As causas de uma e de outra dispensa podem ser distintas e ligadas à pessoa dos próprios empregados dispensados. Aqui também poderá haver a recontratação de novos empregados para suprir os claros de lotação na empresa.”

“No entanto, a dispensa coletiva possui uma causa única, lastreada em motivos econômicos, tecnológicos, estruturais e análogos, que redunda na necessidade da empresa em extinguir vários postos de trabalho simultaneamente e sem a recontratação de novos trabalhadores para ocupar o lugar dos dispensados.”

 Como se infere, o corte coletivo e simultâneo de postos de trabalho numa determinada empresa ocasiona nocivos resultados sociais e econômicos, atingindo o interesse coletivo dos trabalhadores, seus familiares e da própria organização social e econômica local em que estão inseridos, o que desloca a sua categorização do campo individual para o direito coletivo do trabalho.

No entanto, como já noticiado anteriormente, esta não foi a opção feita pelo legislador reformista, que conferiu à dispensa coletiva o mesmo tratamento dado ao ato individual, perdendo-se, assim, boa oportunidade para criar um adequado arcabouço legal sobre a matéria, com os contornos próprios da dimensão coletiva do direito do trabalho, no qual a figura do sindicato é elemento central e a negociação coletiva ferramenta indispensável para composição dos conflitos de interesses.

E ainda sobre a matéria, aguarda-se também a posição do STF que, no papel de guardião da CR/88 e como seu último intérprete, julgará o RE 999.435 para dizer se a dispensa em massa exige prévia negociação sindical.

Em arremate, conclui-se que, atualmente, a dispensa de empregados no Brasil, mesmo que coletiva, prescinde de negociação com o sindicato, dado o texto do artigo 477-A da CLT, o que, contudo, não altera a natureza do instituto estudado e não retira da dispensa em massa sua nítida feição coletiva, o que recomenda de lege ferenda disciplina própria e diversa daquela existente para os desligamentos individuais.

Leia também em: https://domtotal.com/noticia/1518150/2021/05/a-dispensa-em-massa-e-o-direito-coletivo-do-trabalho/

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